Senhor eu não tenho a sua fé,
e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar escravidão e um prato de feijão com arroz
[Claudio Russo, Moacyr Luz, Aníbal, Jurandir
e Dona Zezé in samba-enredo da Paraíso de Tuiuti, 2018]
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carnaval, por Sergia A. |
É difícil escrever na quarta-feira de cinzas, convenhamos, mas é preciso cantar, entre restos de confetes e serpentinas, as reminiscências: em frente à TV com uma chuva torrencial lá fora, eu só conseguia gritar genial! genial! genial! desliguei... não queria ver ou ouvir mais nada, aquelas imagens me bastavam. Serenei, consegui dormir, tranquila, com um alívio na angústia que me persegue não sem antes anotar, eufórica, alguns rabiscos.
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Dona Zilá na saída de sua casa no Morro do Tuiuti. Foto: Mídia NINJA |
Acordo bem. Olho pela janela a cidade que ainda deixa escorrer a chuva. Mudou algo em nossa realidade? Não, aparentemente. No entanto algo me diz que não estou só, que muitos se esforçam e compreendem as raízes da nossa divisão, do nosso eterno futuro distante. E como é gratificante perceber que aquele povo na arquibancada do sambódromo, e nos termômetros enlouquecidos das redes sociais entende que somos um país historicamente dividido. Sim, ultrapassamos a desonestidade manipulatória que tentou levar aos ingênuos a ideia de que nos dividíamos entre coxinhas e mortadelas... E que bom que isso vem pela arte. A criatividade carnavalesca nos mostra que estamos além... muito além na compreensão da perpetuação dos valores de uma sociedade escravocrata que, por puro conservadorismo, não aceita nenhum sinal de mudança.