[grito/cartazes nas manifestações de rua]
o retrato de Virginia W., por Sergia A.
Os temas nos escolhem, alguém disse antes de mim e eu repito porque sinto a força de expulsão quando eles teimam em fluir. Alguns se repetem. São insistentes, persistentes, como se o que se disse uma vez tenha ficado aquém, muito aquém de todas as suas possibilidades. Este me persegue, e eu não posso fugir ainda que passado o oito de março. Ou, talvez, exatamente por ter vivido este oito de março.
Cresci tendo mulheres como referência, em casa, na escola, na rua e até mesmo na Igreja. Havia as santas, mas foi a imagem de Joana D'Arc que eu ganhei de presente. Havia a severidade do discurso religioso, que fecha os olhos para a importância da presença de Maria Madalena nas parábolas de Cristo, mas eram as freiras que vinham de um mundo distante e mantinham com rigor o funcionamento da escola. Uma delas me ensinou a gostar de números. Foi por elas que aprendi que o mundo se estendia além das fronteiras da minha aldeia, e que ultrapassá-las era coisa de mulher.
Talvez por isso este tempo de retrocessos me chegue com tanta estranheza. Quando jovem estudante de engenharia ou na vida adulta trabalhando na área financeira, sentia na pele o peso da desigualdade. Embora em termos de remuneração isso não existisse na empresa que me empregava, o preenchimento de cargos gerenciais era predominantemente masculino. No entanto, mais que a ilusão de que o mérito individual a tudo vencia havia uma perspectiva de futuro, havia discussões sobre equidade e acreditava-se que a superação do estigma da competição entre maternidade e carreira seria uma questão de tempo. Assim é que, nas horas vagas, era possível ler a biografia de Rosa de Luxemburgo ou de Olga Benário. Encantar-se com o que escrevia Simone de Beauvoir, Virginia Woolf, Clarice Lispector. E se isso fosse pouco, ainda podíamos admirar a ousadia de Pagu, Nina Simone e Leila Diniz.