sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Enquanto não murcharem as flores




Geleiras vão derreter
Estrelas vão se apagar
E eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar

[Adriana Calcanhotto e Marisa Monte]



flores à venda, por Sergia A.



A frase Mrs. Dalloway said she would buy the flowers herself. usada por Virginia Woolf para dar início ao Mrs. Dalloway, complementada pela justificativa que finaliza o parágrafo com um pensamento da personagem Clarissa Dalloway : what a morning - fresh as if issued to children on a beach.[1] me conquistou desde a primeira vez que tentei ler o romance. E eu não sei, sinceramente, dizer o porquê. Tocou-me, e para mim basta. Lembro disso agora porque um dia desses uma senhora, ao me ver ver com uma braçada de flores no supermercado (sim, eles vendem flores!) me fez parar para responder-lhe duas questões: quanto custava e quanto tempo durava. Atordoada, fiquei sem respostas porque nenhuma das duas questões tinham sido consideradas quando resolvi levá-las comigo.

Não pensem vocês que sou rica ou do tipo esbanjadora. Tenho apenas o suficiente para viver e controlo bem as minhas contas, mas me permito comprar flores. Não costumo dar festas ou receber amigos com pompas. Ainda assim, compro flores. Talvez pelo prazer que elas me proporcionam ao me dizerem, com delicadeza e cores, que estão vivas, que estão ao meu lado e querem me fazer me sentir bem pelo tempo que viverem. 

No entanto, tenho a mania de ouvir e refletir. Pelos revezes da vida aprendi que a voz do outro, por mais insensata que possa parecer, deve ser ouvida no silêncio. E foi assim que as palavras daquela senhora ficaram ressoando pelas paredes do quarto. Para medir o valor pensei que, nesta terra de sol escaldante, o preço tem, no mínimo, que cobrir custos de produção distante e transporte com refrigeração ou produção local em estufa, é certo. Perdi-me na equação, por não ter aprendido a contabilizar o prazer. Quanto vale um sorriso? Quanto vale um elogio? Quanto vale aquela sensação de paz e conforto que nos invade quando o lugar nos agrada? Não sei responder. E não sei se quero saber. Acho que a precificação tornaria a coisa sem graça. 

São efêmeras, de fato. Mas que valor tem o tempo, quando sabemos que a única certeza da vida é a morte? Se tudo pode evaporar-se num instante menor que o tempo das flores? O que é a natureza senão a repetição de ciclos de morte e renascimento? Sim elas murcham depois de alguns dias. Virão outras em seu lugar pelo tempo que durem e pelo único valor que o dinheiro tem para mim: proporcionar conforto e prazer pelo tempo que me for dado debaixo do sol.



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[1] Tradução de Denise Bottmann: Mrs. Dalloway disse que ela mesma iria comprar as flores. (...) Além disso, pensou Clarissa Dalloway, que manhã – fresca como de encomenda para crianças na praia. 

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