quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Brava gente brasileira



A minha alma tá armada
E apontada para a cara
Do sossego
Pois paz sem voz, Paz sem voz 
Não é paz é medo

[Marcelo Yuka, in Minha alma (a paz que não quero)]





Amarelo sobre fundo azul, por Sergia A.



Uma das minhas meninas quando adolescente amava bandas de rock, pop-rock e sei lá mais o que, como a maioria das meninas da sua idade. Aos domingos, quando se sentia livre da agenda estressante que eu (uma mãe severa) lhe impunha durante a semana se trancava no quarto, ligava o som em volume alto e ficava pulando em cima da cama repetindo a plenos pulmões um refrão do Rapa: 
"Me abrace e me dê um beijo/ Faça um filho comigo/ Mas não me deixe sentar na poltrona no dia de domingo,/ Domingo/ Procurando novas drogas de aluguel/ Nesse vídeo coagido/ É pela paz que eu não quero seguir admitindo/ É pela paz que eu não quero, seguir/ É pela paz que eu não quero, seguir/ É pela paz que eu não quero, seguir/ Admitindo."  
Minha cabeça analítica e seduzida facilmente por veios poéticos, do lado de fora, ouvia e tentava decifrar aqueles recados enigmáticos que definiam uma paz não desejada.

Isto me veio à lembrança nesta manhã de nuvens esparsas em um céu de setembro. É feriado nacional. Minha imaginação está agora povoada de famílias brasileiras sentadas nos sofás se drogando via TV, jornais, revistas ou portais da grande mídia na internet. Drogas adormecedoras que injetam em nossa mente a hipocrisia, como se quisessem testar a nossa tão festejada índole pacífica. Insuflados por ela fomos capazes de derrubar uma presidenta por um crime fiscal. Um golpe de estado em que muitos nem sequer se deram conta que aquilo significava um atentado à nossa frágil democracia. Repetia-se em doses diárias que as instituições estavam funcionando.

Foi assim que aceitamos no poder uma quadrilha que não tardou a mostrar a que veio, retirando direitos conquistados com muita luta. Repetia-se em doses diárias que o remédio era amargo mas precisávamos corrigir os efeitos de uma tal herança maldita (números contestam, mas o que vale é o discurso). Foi assim que não nos revoltamos com a agressão ao estado democrático de direito para que operações judiciais condenem por convicção sem provas, enquanto provas cabais e indícios substanciais de crimes contra a sociedade transbordam, indo muito além do que aquilo que uma fértil imaginação poderia produzir como ficção. Repete-se nas telas de cinema, para aplauso dos tolos, que a Lei é para todos. Foi assim que não nos indignamos com a redução de salários e empregos temporários. Repete-se em pesadas doses diárias que a economia modernizada começa dar sinais de recuperação, a indústria aumentou a produção, investidores confiam na política econômica do governo, a inflação caiu em ritmo acelerado (evidentemente às custas do desemprego e da queda de poder aquisitivo da maioria da população) e os juros controlados pelo Banco Central caem. Que felicidade!

Admitimos a paz sem voz. Pouco importa se destruímos o caminho para o estado de bem estar social. Se perdemos investimentos em educação e saúde públicas, se universidades e institutos de pesquisa fecham por falta de recursos. Se a segurança pública está em frangalhos e matamos mais jovens nas periferias do que as guerras pelo mundo. Teremos tudo privado, a nível de primeiro mundo, à disposição dos que merecem, dos que se esforçam para conseguir. Tudo é uma questão de foco e objetivo pesssoal. Pouco importa se vendemos a amazônia e o controle de setores estratégicos. Que venham os investidores e que se aumente a fortuna dos afortunados!

Os saudosistas diremos: Ah, que pena! A adolescência de sonhos se foi. Já não precisamos sair às ruas em dias de folga para pular e cantar a independência! De que adiantaria ser o país independente se desejamos manter por perto o temor servil, contrariando o que pede o hino (Longe vá)? Conservemos esta paz e tentemos ser felizes deitados eternamente em berço esplêndido.




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