sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Enquanto Seu Lobo não vem



A vida é um caminho de direção oposta

(Marcia Tiburi, in Era meu esse rosto p.190)




outono in Tatton Park, Knutsford - UK, por Sergia A.



Quando ele se aproximou pela primeira vez, eu nem sequer dava conta de mim. E ele veio uma segunda, anos depois ainda que muito cedo, mostrar suas garras infalíveis enquanto passeávamos na praça distraidamente. Ouvi histórias que ensinavam que ele vem, inevitavelmente, a cada um e a seu tempo chegará sem falhas, chamando pelo nome. De surpresa, com aviso prévio, ou, às vezes, com data agendada pela própria presa.

Nos intervalos não aprendi a cozinhar. Por não ver graça em seu dia ao pé do fogão minha mãe se recusava a transmitir às filhas tal legado. Ainda assim uma delas é do tipo que segue os grandes mestres. O prazer da comida fumegante em hora exata, e do vinho em ponto de harmonização. Foi assim que, enquanto ele não vinha, eu lavava louças nas temporadas de frio. A pia que sobra para quem não cozinha. Nada mais reflexivo, contemplativo, relaxante. Uma meditação em alto estilo. A água quente na torneira entoando o mantra entre vapores, e eu ali ruminando os assuntos derramados sobre a mesa. Verificando se o meu entendimento estava correto, se meu ouvido pouco treinado em outras línguas havia, de fato, captado a essência. A esponja soprando bolhas sobre a engenharia dos arcos, a arquitetura bizantina, as valquírias e os atos musicais visíveis de Wagner, a grandiosidade de Shakespeare, planos de viagens e a tradução de Pope para a Ilíada de Homero.