domingo, 27 de março de 2016

O outro lado do rio



Sobre todo creo que no todo está perdido 
Tanta lágrima, tanta lágrima y yo, soy un vaso vacío

Oigo una voz que me llama casi un suspiro 
Rema, rema, rema-a Rema, rema, rema-a

(Jorge Drexler, in Al otro lado del rio)



o verde-amarelo e o rio, por Sergia A.



Não é segredo: adoro filmes e livros. Vivo tentando decifrar os seus códigos. Assim é que chego a uma das cenas mais significativas do filme Diários de Motocicleta (Walter Salles, 2004). É noite, a personagem Ernesto, um estudante de medicina, faz uma travessia para o lado do rio em que se encontram os doentes, os intocáveis. O filme trata da viagem iniciática de Ernesto Guevara e Alberto Granado, e esse é o ponto da epifania. O ponto em que ambos reconhecem o seu estar no mundo. Há uma luz do outro lado que os chama. A travessia a nado é representação da escolha, e essencial para compreensão do que aconteceria em suas vidas futuras que o filme não aborda.

Por favor não fuja, caro(a) leitor(a)! esta não é uma defesa anacrônica da revolução proletária. Assim como a não é o filme. É apenas uma forma de tentar entender o momento atual e o papel de pessoas que deram a vida por uma causa, como Cristo, como Gandhi, como Joana D'Arc, como Martin Luther King e tantos outros. Condena-se a violência como componente da escolha de Ernesto. Certo, inquestionável e, principalmente, não aplicável para o grau de civilização que alcançamos. Mas da sua causa existe um legado que me faz esquecer, por um instante, os seus pecados. Legado que tem início exatamente na travessia retratada na cena: a escola de medicina cubana. Sim essa mesma escola que espalha médicos pelo continente africano, pelos pontos extremos do Brasil, pelos lugares onde não chega a medicina de ponta ou financiada pelos grandes laboratórios e indústria de equipamentos. Sim aquela medicina, hoje reconhecida por entidades internacionais, foi um projeto de Alberto Granado Jimenez, o companheiro de Ernesto na viagem pela américa do Sul e de cujo diário (Con el Che por Sudamérica, 1978) o filme é tradução.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Tempo de nuvens




a chuva o mar, por Sergia A. [Luis Correia-PI]

nuvens derretidas
afogam linhas no mar
céu e terra incontidos

sábado, 12 de março de 2016

Do elogio à serenidade


O caos é uma ordem por decifrar.

(José Saramago, in O homem duplicado - como 
citação do inexistente Livro dos contrários)



o camaleão, por  Sergia A.


Ideológico. Meu voto foi sempre ideológico. Por ideológico, que fique claro, quero dizer que defende uma ideia ou um conjunto delas. Nunca fui pressionada para votar em parentes ou amigos. Até tive amigos políticos, mas quando receberam meu voto ou ajuda nas campanhas, foi porque naquele momento compartilhávamos as mesmas ideias. Nem sempre ganharam eleições, pelo contrário, amargamos doloridas derrotas. Nas vezes em que deu certo, nem sempre o trabalho dos eleitos atendeu completamente às minhas expectativas, em outras foi decepcionante. Ainda assim, meu voto continua sendo racionalmente ideológico. Sou teimosa. Acredito em ideias que viram projetos. Aprendi que há um tempo para todas as coisas.

Digo isso em resposta a uma provocação que afirma ser esse um pensamento atrasado. A queda do muro de Berlim teria também transformado em poeira a ideia de esquerda e direita. Para não me acusarem de sectarismo, recorro a um filósofo italiano, muito respeitado pela social democracia brasileira (antes da guinada para a direita) para dizer que enquanto houver uma acentuada desigualdade social no mundo, a esquerda e a direita estarão mais vivas do que nunca. Para o filósofo Norberto Bobbio (1909-2004) a diferença entre direita e esquerda é que a primeira reúne as forças que desejam a manutenção do "status quo", a partir do pressuposto de que a desigualdade é uma fatalidade impossível de mudar (uns merecem outros não). A esquerda, por outro lado, reúne os que acreditam na possibilidade de mudar o mundo, de criar uma sociedade menos injusta. Meu coração, impulsivo e aventureiro, se derrete em simpatia pelo segundo grupo. Nunca consegui acreditar que comunistas comiam crianças, embora tenha sempre manifestado minhas críticas quanto aos erros do chamado 'socialismo real'.

sábado, 5 de março de 2016

Equilíbrio em dois tempos



moldura para o céu, por Sergia A.


a janela de pedra guarda o céu. colunas erguidas para pouso de arcos. e anjos. e rasgo estreito de luz sobre o caos do profano. talhado a martelo e cinzel. obscuros caminhos de expiação.

a janela de pedra reflete o céu. colunas mantidas para pouso de arcos. e anjos. e vidros redirecionando a luz sobre olhos dispersos. moldados a fusão e resfriamento. voos inevitáveis em um infinito azul.