[As areias do imperador/1- Mulheres de cinzas, p.27]
A minha mãe disse que era um vulcão. São as flores
das mulheres. São de sangue. São de lume. Magoam.
Todos me falavam de passar a ser mulher e sobre o
que isso significava de perigo e condenação.
[A desumanização, p.17]
das mulheres. São de sangue. São de lume. Magoam.
Todos me falavam de passar a ser mulher e sobre o
que isso significava de perigo e condenação.
[A desumanização, p.17]
dois livros um café, por Sergia A. |
A montanha estava crescendo na mesinha de cabeceira. Decidi avançar acelerando um pouco o ritmo. Por puro acaso um veio logo depois do outro tornando a leitura comparativa inevitável. Dois autores de língua portuguesa e de origens diferentes. Um moçambicano. Outro português (nascido em Angola). Gosto de imaginar que algo muito forte nos une: a língua. Embora nossas formas de expressão sejam distintas. Quando falo nossa, refiro-me à minha em relação à deles bem como a dos dois entre si. No entanto um ponto, neste caso, os une e me desperta: a criação de uma voz feminina que narra a solidão de estar em um mundo hostil em tempos, espaços e culturas muito diversas.
Seria simplificador dizer que em As areias do imperador/1-Mulheres de cinzas Mia Couto remonta a história da guerra ao sul de Moçambique no fim do século XIX, a partir de dois pontos de vistas. Mas, para resumi-lo sem tirar do leitor o prazer da descoberta, não devemos ultrapassar o limite da orelha: uma ficção inspirada em fatos e personagens reais, em que duas vozes se alternam para narrar o ocorrido no lugarejo Nkokolani. De um lado o sargento português, enviado para organizar a batalha contra Ngungunyane (o último imperador africano no comando do chamado Estado de Gaza). Do outro, a sua intérprete. A viva, uma garota pertencente à tribo local mas educada por missionários europeus. Voltando às impressões, a narrativa parece superar o plano do autor exposto na estrutura que dá voz a uma personagem encerrada em um espaço-tempo histórico e, por natureza, opressor. Pois essa voz transcende o seu lugar e referências culturais, para atingir em cheio o leitor atento do século XXI.