O fole roncou no alto da serra
Cabroeira da minha terra
Subiu a ladeira e foi brincar
O Zé Buraco, Pé-de-Foice, Chico Manco
Peba Macho, Bode Branco
Todo mundo foi brincar
Maria Doida, Margarida Florisbela
Muito triste na janela, não dançou
Não quis entrar
[Nelson Valença/Luís Gonzaga in O fole roncou]
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Vila Junina 2015
[gentilmente autorizada pela fotógrafa Maria Dimas R. Lages] |
Quem nasce nas bandas de cá aprende cedo a amar junho. Fogueiras, guloseimas, brincadeiras, fogos, alegria. Na escola, na igreja, nas praças, nas ruas, tudo é festa. Quem viveu isso na infância não consegue ouvir o fole roncar sem sentir o peito sacudir, a espinha arrepiar e o corpo balançar involuntariamente. Quaisquer que sejam as circunstâncias sempre haverá um xote, um baião, um xaxado, uma quadrilha, um arrasta-pé para animar o forró ou aquietar o coração. Talvez por isso, quando amanhece o mês, eu fique assim olhando para o céu em busca de andorinhas.
Já tremulam bandeiras sob um céu de anil, embora as circunstâncias não nos parecem das mais animadas. Que o diga as marias doidas que carregam suas tristezas muito além das janelas. Em trupes ensanguentadas repetem versos esquecidos que ganham vigor no falar dos nossos dias. Elas e os meninos. Os meninos tinham uma arma, dizem os policiais. O menino recebeu uma bala na cabeça como castigo pelo furto. O parceiro sobrevivente quer estudar, ser jogador de futebol, ser alguém na vida. O menino estava na rua dos outros meninos que estudam e serão alguém na vida. Em uma rua da cidade símbolo de grandeza. No estado que deve explicações sobre o furto. Não, não apenas de um carro de um condomínio em um bairro rico. Mas também o da merenda que muitas vezes garante a frequência de crianças na rede pública onde o menino sobrevivente quer estudar. No mesmo estado que deve explicações sobre uma licitação suspensa por superfaturamento na compra de medalhas, dessas que recebem os esportistas em competições. Essas que o menino sobrevivente quer ostentar no peito e encher os pais de orgulho, nos campeonatos de futebol. Furtos ironicamente não castigados. Nos meus delírios escrevi esse enredo para uma quadrilha com o nome Deboche dos Desesperados. Acordei. É junho. Não é quadrilha e nem delírio. Está no jornal.