sábado, 21 de novembro de 2015

Cartas da Itália: Bolonha



Foto da Storia         
(a M. dopo la bomba) 

La città è diversa?
No, non è diversa
Ricostruiremo
quelle stanze
nella piazza dove eravamo
foto da Storia
per cinque ore
fianco a fianco
storditi o feroci
ripassando ci ignoreremo
Riapriremo la radio
Chi si buca ha detto
che forse smetterà
Siamo piú tristi
e non ce lo diciamo
I giornali dicono
che resistiamo
Della vita non bisogna
parlare mai

(Stefano Benni, in  Prima o poi/l'amore arriva p.99)


Bologna, 06/10/2015

Querida L.

Da saudade de ontem:
Estou novamente em um trem, por uma hora e quarenta minutos, em busca de um novo destino. Pela janela observo os campos verdes, arados em cada palmo. De vez em quando um túnel atravessa uma pequena montanha. E rapidamente elas se perdem no azul da distância. Outras vezes são rios de águas calmas, separando terras unidas por belas pontes, que nos dão passagem. Os trens regionais param bastante e isto pode parecer cansativo, mas é extremamente estimulante ver os rostos que sobem e descem, suas pressas, suas ansiedades, suas vidas que a minha imaginação começa a construir automaticamente. Mas, isso é só um jeito de dizer que sinto a tua falta, e de honrar o compromisso assumido. Nada mais inquietante, para mim, do que um texto iniciado. Logo, logo, quando meus pés sentirem o chão da cidade, ele se completará.


outra estação, por Sergia A.


Da saudade de hoje:
Então, estou de volta, disposta a eliminar a urticária que toma conta dos meus dedos. A cidade me conquista logo na saída do hotel, com uma rua dedicada aos poetas e com a arquitetura de suas galerias reveladoras da riqueza e do tempo. A cada passo preciso erguer os olhos abobalhados diante das marcas dos milênios e sentir o arrepio que percorre meu corpo quando este se dá conta de que por aqui viveram etruscos, celtas, romanos, até os cidadãos que a tornaram uma municipalidade livre em plena Idade Média. Ou, até formar essa onda alegre de estudantes apressados que nos atropelam com suas mochilas e fones de ouvido. Orgulhosos, talvez, de pertencerem a uma instituição fundada em 1.088 (consegues imaginar?), e que ostenta o título de universidade mais antiga do mundo.


a conquista, por Sergia A.

domingo, 15 de novembro de 2015

A cadeira vazia




E virá a companhia inglesa e por sua vez comprará tudo
e por sua vez perderá tudo e tudo volverá a nada
e secado o ouro escorrerá ferro, e secos morros de ferro 
taparão o vale sinistro onde não mais haverá privilégios,

(Carlos Drummond de Andrade, in Os urubus  no telhado, Claro Enigma p.97)




olhos nos olhos um minuto, por Sergia A.



O telefone toca. Entre soluços e sotaques ouço um sussurro no amanhecer:

se por aí o rio já não é doce e a lama reveste vidas e vales...
se por aqui a arrogância ver o outro como menor e não merecedor...
se a reação é violenta e a resposta é a guerra...
o que nos resta?

Inspiro. Sinto o pulmão se avolumar. Um raio de sol encontra espaço entre as persianas. Espio. Seu caminho corta o infinito azul. Expiro. Uma voz pausada toma posse de mim:

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Encontros infinitos



a fonte, por Sergia A.



Além do arco os arcos, em séculos de arcabouço, alinham sobre o claustro a luz. Marcos iniciais. Ou, pontos finais em reticências e interrogativos. Nomeiam encontros tardios e infinitos.


Além do arco os arcos, em eras sobrepostos, alcançam da fonte reclusa o néctar. Pontos de extensão. Ou, fractais do sagrado. Bíblico e pagão, na pureza do silêncio, entrelaçados.


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Cartas da Itália: Veneza





Uma vez escrevi num prólogo Veneza de cristal
e de crepúsculo. Para mim, crepúsculo e Veneza 
são duas palavras quase sinônimas, mas nosso 
crepúsculo perdeu a luz e teme a noite e o de 
Veneza é um crepúsculo delicado e eterno,
sem antes nem depois.


(Jorge Luis Borges in atlas, p.31)



o grande canal, por Sergia A.



Veneza, 03/10/2015

Querida L.


Desta vez decidimos por uma hospedagem na vizinha Padova (Pádua) para fugir um pouco do burburinho turístico. Não que eu tenha alguma resistência a isso. Ao contrário, tenho plena consciência de que sou apenas mais uma a engrossar suas fileiras. E gosto de me sentir assim... apenas mais uma pessoa que deseja conhecer, avistar, ouvir o que tantos tem a me dizer. Estou convencida de que por mais que digam, algo se renova na minha experiência que será sempre única. 

Assim é que descer os degraus da estação Santa Lucia é um espanto cuja reação vem acompanhada de lágrimas. Sim, de lágrimas, como se o lugar exigisse do meu corpo uma adaptação natural ao seu meio. Palavras são incompetentes para descrever aquela visão do grande canal, o rumor das línguas que atordoam meus ouvidos, ou do ritmo engraçado do italiano gritado pelas portas e janelas, dos táxi/barcos velozes, do vaporetto em que se balançam e se misturam trabalhadores e visitantes, das gôndolas em preto e dourado (sim, elas existem e gondoleiros cantam canções apaixonadas). Não importa quantas vezes a cena tenha sido vista em filmes, documentários, fotografias de amigos. A cidade não se repete. É uma para cada dia e para cada um que por aqui aporta. Quando cessam as lágrimas, sou tomada pela sensação de ser personagem de um cenário encantado.


a gôndola, por Sergia A.