- Alguns patos dizem que a gente vira anjo e fica
sentado numa nuvem olhando para a Terra lá embaixo.
- Pode ser – a morte sentou-se – , afinal asas vocês já tem.
(Wolf Erlbruch, in O pato, a morte e a tulipa – Trad. José Marcos Macedo)
Sobre o teclado, por Sergia A.
Há algum tempo não ouvia a angústia na sua voz. E eis que o telefone soa no meio da noite. Sou ouvidos. Uma frase, arrastando-se entre sussurros, indaga: Para onde vai minha energia quando a energia acaba? E continua tecendo arremedos sobre interrogações e pontos finais. Atordoada, imponho-lhe um exercício de respiração. Desperto-me. Desperto-a. Cansada de parágrafos longos, vírgulas e reticências, ela deseja um verbo intransitivo. Nem mesmo adjuntos. Um ponto final, talvez. Procuro no meu dicionário um argumento para dar corpo à oração. O pensamento (nem sempre tão racional) me guia para a natureza que me rodeia. Nada desaparece. Tudo se transforma. À noite, se segue o dia. Ao inverno, a primavera. A semente rebenta para o broto germinar.