quinta-feira, 24 de julho de 2014

Decifrando enigmas entre rabecas e pífanos



Assim, aos poucos, ia se formando no meu sangue 
o projeto de eu mesmo erguer, de novo, poeticamente, 
meu Castelo pedregoso e amuralhado. 
Tirando daqui e dali, juntando o que acontecera 
com o que ia sonhando, terminaria com um Castelo 
afortalezado, de pedra, com as duas torres centradas 
no coração do meu Império.

(personagem Quaderna, de Ariano Suassuna, in O Romance d’Pedra do Reino p. 115)


flores sobre argila, por Sergia A.


Não havia teatro no lugar onde nasci. Falo do espaço físico e da arte dramática nos moldes clássicos. Assim se falava. Havia os livros. Havia os dramas e as comédias de circo. Sob a lona ou nas feiras sobre rústicos tablados. Não havia hotéis. Quando alguma coisa a mais acontecia as famílias hospedavam parentes e amigos, e os amigos dos amigos.

Eu ali no quarto que era de todas. Pequena, admirando a altura de sua beleza reluzente. Ela fazia parte da trupe. Ela se olhava no espelho. De repente, me olha. Conversa comigo. Diz-me que vai encenar Auto da Compadecida. Não fazia a menor ideia do que se tratava. Estranho mesmo era o nome do autor. Ela repetia. Pacientemente ia se esquivando da minha curiosidade. Ficou o nome esquisito, repetido até convencer de que não faltava nenhuma letra: A R I A N O. A peça foi encenada em lugar arranjado. Talvez o salão paroquial. Não lembro. Não me permitiram ver. Ficou um nome rondando enquanto eu tomava gosto pelas palavras. Surgiram outros títulos esquisitos para livros (O santo e a porca, O homem da vaca e o poder da fortuna). Uma estranheza que se reconhecia nas feiras da minha cidade.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Lamento


Acordo. Gesto automático. Ligo a TV. Chamas...
À mão, um caderno antigo:


Lágrima, por Sergia A.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

A resposta do espelho


A imagem
que de mim
fiz
para mim

cortei-a na minha 

propria carne

cicatrizes

se rompem
quando cresço

(Hans-Curt Flemming in Autorretrato trad. Rui Rothe-Neves)


O tempo da flor, por Sergia A.


Amanhece. Um raio de sol insistente invade as frestas da minha janela. Por trás dela, um céu azul com poucas nuvens. Levo a mão ao peito em um gesto instintivo. O coração voltou ao ritmo normal e uma folha em branco me seduz. As palavras me visitam, não para chorar o leite derramado ou encontrar culpados. Não para cantar o entusiasmo da copa das copas ou ceder à tentação de rir do fracasso da previsão de caos. Talvez, queiram apenas dar forma a novas questões que nascem do muito que se viu.

O esporte tem seus caprichos. Talvez, o mais instigante deles seja a eminênica da derrota. Para todo vencedor, um perdedor. No entanto, a primeira coisa que me vem, é o impulso de fazer distinção entre o que está fora e o que está dentro dos campos, para que se veja com clareza e sem fanatismo uma natural associação, ou não. Uma coisa é o desafio de organizar um evento desta magnitude. Outra é o desempenho da seleção do Brasil na competição. Sobre a organização, devíamos ao mundo e a nós mesmos a alegria de viver intensamente esta festa. Há uma razão simples: o futebol é unanimidade em toda a extensão continental do país, perpassando sua grande diversidade cultural. Parece que isso fala muito da imagem que tínhamos de nós mesmos quando da decisão. Assumir o risco de se expor faz parte do ato corajoso e necessário de olhar para si.