segunda-feira, 26 de agosto de 2013

E se...


Janela para arbustos

Os dias começam a ficar insuportáveis por aqui. Dizem que ficamos mais tolerantes com a idade. Devo ter nascido ao revés. Estou impaciente, mais e mais... Meu corpo sucumbe ao ar quente e seco que abafa as tardes. Desisto das ruas. Procuro refúgio. Enfurno-me. Estendo a mão. Encontro-o à minha espera, sempre. O melhor de tudo: ele não me pergunta por onde andei. Abre-se em sorrisos. Acolhe-me. E eu vou... antes que se apoderem de mim todos os se que me perseguem.

domingo, 18 de agosto de 2013

Convite ao prazer


Sempre é preciso pedir desculpas para falar de pintura
 
(Paul Valéry in Sobre Corot)


A Santa Inquisição, 1985
Acrílica sobre eucatex

 

Desmonta-se a exposição “Faces de Lizmedeiros” na Casa da Cultura. Por dias a fio procurei em vão nas publicações locais alguma referência mais substanciada sobre a arte que motivara o evento. Nada além das notas superficiais que noticiam o acontecimento e trazem uma curta biografia da artista. Notícias apenas. Como se notifica a morte ou o casamento de alguém importante ou inaugurações de obras públicas por políticos à caça de votos. Discutir arte parece não despertar interesse dos grandes veículos por essas bandas.  

O que é arte? Como a reconhecemos? Questões difíceis de serem respondidas depois do advento do Modernismo, e de forma especial nas últimas décadas em que se intensificou o debate entre os critérios essencialmente estéticos e os critérios que privilegiam o resgate social. Gosto de pensar na autonomia da arte, embora sem desconectá-la do seu contexto afinal nenhum homem é uma ilha, já dizia um grande poeta há muitos séculos. Seja qual for a escolha, a arte será sempre aquilo que nos toca e inquieta ao ponto de nos deixar mudos no instante da fruição. 

domingo, 11 de agosto de 2013

Grávidos


Close your eyes
Have no fear
The monster's gone
He's on the run and your daddy's here
Beautiful, beautiful, beautiful
Beautiful boy
Beautiful, beautiful, beautiful
Beautiful boy (...)

Before you cross the street
Take my hand
Life is what happens to you
While you're busy making other plans


(John Lennon in Beautiful boy)


M/Paternidade,  por Sergia  A.
 

Desconfio que sofro de um estranho mal. A obrigatoriedade me dá sono enquanto a liberdade me desperta. Foi assim que acordei cedo em uma manhã de agenda vazia. Liguei a TV em um gesto automático. Um talk show em reprise. Um grupo de mulheres bem sucedidas em profissões ditas masculinas discute a questão feminina na sociedade contemporânea. Os discursos se repetem: os novos papéis, o acúmulo de atribuições, as conquistas, a maternidade e o sentimento de culpa, e o receio de se definir como feminista (um conceito ultrapassado, para a maioria delas). Por mais que a mediadora tentasse aproximar Simone de Beauvoir dos argumentos que suas experiências individuais teciam, nenhuma das convidadas se permitia falar da obrigação materna de cuidar dos filhos como construção cultural (ponto crucial para compreensão da dependência econômica das mulheres).

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Sobre ondas


Adejo,  por Sergia A.


Tempo de acomodação. Assento. Uma a uma enfileirando-se na sequência pela necessidade determinada. Acentua meu silêncio. Evento. E o vento revira a areia assentada. Viração. Revoada. Debruço-me sobre a janela para apressar tua chegada.

Tempo de arribação. Movimento. Em bandos entrelaçando-se na cadência pelo acaso arranjada. Move e alimenta minha palavra. Alarido. E o adejo aquieta a ânsia convertida. Redenção. Saída. Abro a porta e abraço suavemente tua partida.