quinta-feira, 25 de julho de 2013

Voo de andorinhas


Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
(Manoel de Barros in Brincadeiras,
 no livro Memórias inventadas para crianças)



Ocaso, por Sergia A.


Um chamado e um quarto de hospital. Uma noite apenas para oferecer meus cuidados um tanto desajeitados. Com idade avançada e impedida de locomover-se minha paciente transmitia no olhar uma aflição maior do que a dor física: ver sua independência a muito custo edificada ser anulada de repente. Recusava-se a ser tratada como um bebê. No amanhecer a constatação de que a medicina ou a enfermagem não seria uma escolha profissional possível para mim, definitivamente. Encarar cruamente nas manhãs o nosso inevitável destino me tiraria o prumo. Preciso alimentar minha alma de ilusões. Abraço a ficção.

Doce ilusão (não resisti ao trocadilho bem clichê). A ficção me sacode tanto quanto a realidade. Bela e incômoda como a nudez de um corpo envelhecido, esta se apodera do filme Amour (2012), do diretor austríaco Michael Haneke, que só após o lançamento em DVD pude assistir. Nele um casal de musicistas idosos, cultos e inteligentes vê a autonomia e o controle de suas vidas escorrerem por entre os dedos em um instante. Tal qual o chá que a mão inerte não mais consegue direcionar ao caminho óbvio, automático, do bule à xícara. O ritmo é lento como o movimento das personagens. A música, como na vida, só via instrumentos ou aparelhos de som que compõem a cena. A ternura do titulo, percebida na cumplicidade das personagens, acentua a tragicidade da decadência. O desfecho é angustiante como a certeza do que nos espera. 



Fonte:  YouTube

domingo, 14 de julho de 2013