domingo, 22 de setembro de 2013

Só para loucos


We work in the dark – we do what we can –
We give what we have. Our doubt is our passion,
And our passion is our task. The rest is the madness of art.


(Henry James)

Voo sobre nuanças de azul, por Sergia A.
 


Escuto: em sonho uma voz me fala de compaixão. 

Argumento: sinto o ar de tua dor se me permitires. O ardor de tua paixão. Conheço-a de outros carnavais. Algo mantém o nosso elo. O vento frio na fresta da janela. Noite escura. O silêncio das ruas adormecidas. A dúvida ardendo no peito. Na memória encontro tua solidão. Ao lado dorme um sonho de união. Acalanto. Afago tua mão. Acolho-te no compasso do meu peito. Uma ponte pênsil sobre o fosso que nos separa. Frágil e balançante. Provoco teu sorriso. Carrego o teu fardo. Suavizo teu casulo. Desejo-te o voo leve das borboletas. 

domingo, 8 de setembro de 2013

Passos ritmados


O pescador, por  Sergia A.


Ao rio a rede se lança
Dança em ondas murmurantes
Colhe em fios. Avança.

domingo, 1 de setembro de 2013

Amarelo utópico


desbarbarizar tornou-se a questão
mais urgente da educação hoje em dia. (...)
a tentativa de superar a barbárie é decisiva
para a sobrevivência da humanidade.

 (Theodor Adorno, 1968 - Tradução: Wolfgang Leo Maar)


Explosão de vida em tempo árido, por Eugênia Medeiros


Aprendi na escola há muito tempo que o povo brasileiro era o produto da miscigenação de três raças. Assim mesmo “raças”. Ainda não tínhamos chegado ao esclarecimento de que a raça humana é única. Como exemplo genuíno a cor da minha pele nominava-se parda (nem vermelha, nem negra, nem branca). Aprendi na mesma escola que o povo brasileiro tinha índole pacífica, tolerante e não preconceituosa. Preconceito era o que existia nas sociedades em que se manifestava a segregação étnica ou racial. Aqui vivíamos todos em paz. Quem tinha empregados domésticos (de pele escura em sua maioria) os tratava bem (como se fossem da família). Agradecidos eles não cobravam um salário digno e a jornada de trabalho não era definida. Não questionávamos (era proibido questionar) os significados de pacifismo, tolerância e muito menos a ausência de peles negras ao lado das pardas e brancas nos bancos da mesma escola. Ouvia-se com frequência uma sentença: quem não pode não estuda.

Tempos depois aprendi que a verdade tem múltiplas faces. Descobri na banalidade das notícias diárias que nossa índole pacífica não nos impede de ter um dos índices de criminalidade mais altos do mundo, de depredarmos patrimônio público ou privado em nome do ato democrático de protestar, ou de agredirmos até a morte alguém que nos xinga no trânsito ou que torce por um time de futebol que não é o nosso. Descobri no horário nobre da televisão que a nossa tolerância tende a ser sinônimo de passividade ao aceitarmos como normal a violência institucional (das corporações que deveriam garantir a segurança pública, por exemplo) ou a corrupção generalizada que retira todas as possibilidades de acesso a serviços públicos de qualidade. Descobri ainda que o nosso não preconceito não resiste ao incômodo de ver pessoas de pele escura (brasileiros e estrangeiros) ou mestiços da emergente “classe C” ocupando os lugares que historicamente pertenciam aos brancos ou pardos de boa aparência, seja em um simples assento de transporte aéreo seja em um posto médico em longínquos rincões.