Die Walküre, Opera North,
Fotografia: Clive Barda. Disponível em http://www.operanorth.co.uk
Foi-lhe ofertada a música invisível
que é o dom do tempo e que no tempo cessa;
foi-lhe ofertada a trágica beleza,
foi-lhe ofertado o amor, coisa terrível.
(Jorge Luis Borges, os dons in Atlas,
trad. de Heloisa Jahn)
Existe um amar que nada exige, dizia-me seu silêncio. Eu ria de tamanha ingenuidade. Existe um amar que deixa partir, dizia-me seu gesto de desapego. Eu duvidava de tal desprendimento. Existe um amar que desconhece o relógio, dizia-me sua espera infinita. Eu via a ferocidade do tempo. Existe um amar que veda os olhos para as curvas do espaço, dizia-me o alcance de sua vista. Eu insistia no fosso escuro das distâncias. Até encontrar crianças invadindo as manhãs. Até acordar sem manhãs quando elas se vão. Isso me vem à mente quando um vento frio me obriga a vestir o casaco na saída do teatro, em pleno verão.
São 16h30. As luzes da platéia se apagam. O palco se ilumina. Um maestro magistralmente assume seu posto. O ritmo das palavras chega aos meus ouvidos com estranheza diante da minha ignorância da língua alemã. Meus olhos aflitos se alternam entre projeção de imagens, performances dramáticas e legendas em inglês. Minha mente perdida no turbilhão da tradução faz conexões com a sinopse gentilmente apresentada no embalo de uma conversa na noite anterior. Contudo, algo invade meu corpo, bem do lado do cérebro que é coração, e arrebata meu ser racional, afogando-o em estado de graça e tensão por exatas cinco horas e meia.